O Preço da Longevidade

No livro de Gênesis, na parte em que se trata da genealogia que liga Adão a Noé, fala de um homem chamado Matusalém. Este teria vivido novecentos e sessenta e nove anos. Podemos realmente questionar a possibilidade de alguém viver tanto tempo de diversas formas, mas supondo que ele tivesse mesmo alcançado tal idade, cabem outras perguntas: qual era sua condição física e mental em seus últimos anos? Ele ainda andava sozinho? Estava lúcido? Será que viveu seus últimos anos (ou séculos) com autonomia ou teve de ser amparado continuamente? O que ele fazia em sua rotina que possibilitou atingir tal avançada idade?

Há uma outra história, esta certamente uma fábula, sobre a questão da longevidade: um homem encontra uma lâmpada antiga e ao esfregá-la surge um gênio dizendo que ele tem direito a dois desejos. O homem pensa e diz: “quero ser rico e viver para sempre”. O gênio concede os desejos e desaparece imediatamente. A fortuna vai aparecendo magicamente ao homem, a partir de muitas oportunidades que surgem em seu caminho. E ele começa a desfrutar de sua riqueza. E os anos passam. Quando ele está com idade avançada, debilitado, ele lembra desesperado que viverá eternamente e se arrepende de não ter pedido para ter saúde plena enquanto vivesse.

Tem mais uma última referência para esta introdução. Um equatoriano, habitante de Vilcabamba (também conhecida como o Vale da Longevidade), onde pairava uma lenda de que todos eram centenários, disse uma vez que “aqueles que se sentam morrem primeiro”. Ele queria dizer que a longevidade era resultado de atividade constante. O que não é usado, vai se atrofiando. Faz muito sentido, pois a evolução das espécies funciona assim, descartando o que não é utilizado ao longo do tempo. O corpo e a mente também tem um processo evolutivo durante a vida. Ambos vão desligando aquilo que não é utilizado. E é por isso que ambos tem de ser estimulados constantemente.
É certo, a combinação de longevidade e degradação da condição física e mental não é nada desejável. As pessoas querem mens sana in corpore sano (mente sã em corpo são).  Mas esse sonho de vitalidade ao fim da vida representa um desafio para a própria natureza.

Uma vida equilibrada cobra um preço: o preço de desistir de algumas coisas, como o sedentarismo e a alimentação inadequada, por exemplo. Ter uma vida longeva não é tanto o problema. O problema é ter uma vida longeva gozando de saúde. Isso requer cuidados durante toda a vida, para manter o corpo e a mente saudáveis. A prática de exercícios deve ser constante. Basta fazer exercícios com regularidade e ter uma alimentação balanceada. Uma vida longeva com saúde é fruto de atividade constante.

Não tem como afirmar mesmo se Matusalém em seus últimos anos de vida estava lúcido e saudável de corpo e mente, tampouco acreditar em fábulas da lâmpada e do gênio que concede desejos, porém não convém duvidar que a longevidade dos habitantes de Vilcabamba se deve a uma rotina ativa (“aqueles que se sentam morrem primeiro”), como dito por um de seus habitantes.

No mais, vale à pena evitar, ao máximo, uma vida desregrada que certamente causará problemas de saúde que vão se manifestar no futuro. E derradeiramente, citando a bíblia mais uma vez – um conselho que devia ser do conhecimento de Matusalém – mesmo este tendo vivido bem antes do apóstolo Paulo – e também dos habitantes de Vilcabamba: nosso corpo é tão importante que é considerado templo de Deus (I Coríntios 3:16–17; 6:19–20).


Ernesto Haberkorn: Em 2021 comemorou 78 anos de idade e pratica atividades físicas regularmente. Mais de 50 anos de experiência no mercado de tecnologia, é empresário, fundador SIGA, Co-fundador TOTVS, fundador do ERPFlex, Grupo NETAS, autor de 14 livros sobre Gestão Empresarial com ERP.

– Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo, em 28 de Outubro de 2021
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/10/o-preco-da-longevidade.shtml

– Crédito imagem tartarugas
https://foter.com/f7/photo/48024804072/e219a26d01