Qualquer químico, no mundo todo, sabe que Au é ouro

Bacharéis em letras ou direito tem em comum o estudo do latim, os primeiros como parte da origem da língua portuguesa, os segundos como tradição. O latim ainda sobrevive, fora da Igreja Católica, em algumas tradições, como a nomeação de seres vivos. Qualquer biólogo no mundo sabe que Felis Catus é o gato doméstico, porque o latim se tornou idioma comum de nomenclatura.

As siglas dos elementos químicos na tabela periódica vem das versões latinas dos elementos. O ouro é Au porque em latim ouro é aurum. Qualquer químico, no mundo todo, sabe que Au é ouro. Embora o latim seja uma língua morta enquanto língua falada, restrita a cerimônias, o latim escrito ainda persevera e frases em latim tornaram-se parte da cultura “pop”, estampando desde roupas até canecas. Um exemplo é a frase “mens sana in corpore sano” que aparece desde cadernos até adesivos de carro. Na verdade, é provável que você tenha visto essa frase em alguma academia de ginástica. Essa frase quer dizer literalmente “mente sã em corpo são”, ou “mente sadia em corpo sadio”.

Ela é parte de uma obra do poeta romano Juvenal. Na verdade a frase completa é orandum est ut sit mens sana in corpore sano, que quer dizer “deve-se pedir em oração que a mente seja num corpo são”.

Décimo Júnio Juvenal, poeta romano, final do século I e início do século II, fala isso em sua décima Sátira, como uma resposta à questão sobre o que as pessoas devem desejar na vida. A poesia de Juvenal faz parte das reflexões filosóficas dos romanos, que contribuíram muito com o direito. Os romanos herdaram várias tradições dos gregos, a quem admiravam.

Várias obras literárias gregas foram traduzidas pelos romanos e foram inicialmente difundidas no mundo medieval em latim. A arte grega foi assimilada pelos romanos e muitas esculturas gregas foram reproduzidas em cidades romanas. Os romanos eram os únicos estrangeiros que participavam das olimpíadas originais na antiga Grécia.

A Grécia da antiguidade não era um país, mas um grupo de cidades-Estado que compartilhavam uma língua e uma religião. Esparta tornou-se conhecida como uma cidade militarizada, onde os cidadãos eram treinados desde crianças para serem soldados. Diferente de Atenas, onde a discussão filosófica encontrou lugar em meio a um regime democrático. Em Atenas havia preocupação não somente com o corpo, mas com a mente. Até hoje usamos contribuições de três grandes filósofos que passaram por Atenas: Sócrates, Platão e Aristóteles. A arte da retórica era valorizada em Atenas por causa das decisões tomadas em assembleia.

Era preciso saber argumentar, tão bem quanto era preciso saber lutar. Importante ressaltar: há uma enormidade de informações atualmente sobre exercícios físicos, desde rotinas mais simples para condicionamento até programas para criar músculos e modelar o corpo. Ora, em nosso tempo, um mundo de redes sociais baseadas em imagens, há uma grande preocupação com a aparência, com o corpo. Uma rotina de exercícios com certeza é muito boa para a saúde, mas não podemos descuidar da mente.

Na verdade, não podemos exagerar em cuidar só do corpo ou só da mente. Precisamos buscar um equilíbrio no condicionamento de ambos. Isso não significa que você deva chegar ao extremo de praticar boxe-xadrez, mas que deve alternar suas atividades em coisas que estimulam o corpo e coisas que estimulam a mente. O livro de Eclesiastes, no capítulo 7, traz este trecho: “Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo? Não sejas demasiadamente ímpio, nem sejas louco; por que morrerias fora de teu tempo?”.

Esse trecho fala sobre equilíbrio. Fala sobre não exagerar. A superação faz parte do desenvolvimento, mas superação desenfreada torna-se obsessão. Obsessão não é saudável. A obsessão transforma o meio em fim. Devemos fazer exercícios para viver bem e não viver com a finalidade de fazer exercícios. Os exercícios são ferramentas. Durante a maior parte de sua existência neste planeta, o ser humano foi obrigado a despender grande esforço físico para garantir sua sobrevivência.

Nos últimos 100 anos, o desenvolvimento tecnológico permitiu a uma parte da população reduzir esse esforço por meio de máquinas. Ao mesmo tempo, a humanidade foi acelerada à medida em que as comunicações tornaram instantâneas. As consequências desse conjunto de mudanças foram tornar mais fácil ter uma vida sedentária e aumentar o estresse e a falta de concentração ao deixar pessoas conectadas o tempo todo em vários canais de comunicação.

Temos então no século XXI um estado de coisas que prejudica tanto o corpo quanto a mente. Temos a possibilidade de nos movermos menos, então precisamos nos mover mais. Estamos disponíveis a todo momento para alguém, então precisamos ficar indisponíveis por algum tempo. É uma contradição que tenhamos de nos esforçar mentalmente para lidar com várias coisas se as coisas que fazemos são muito mais rápidas do que eram feitas em qualquer outro momento da história humana. Estamos mais produtivos e consumindo mais recursos naturais. Não há necessidade real de corrermos tanto.

A expectativa de vida aumentou ao longo do século XX, mas a impressão geral é que as pessoas vivem preocupadas em não conseguir fazer tudo o que precisam a tempo, como se fossem desaparecer em breve. É uma realidade contraditória. O sociólogo Domenico de Masi afirma que a tecnologia disponível atualmente dá condições para que as pessoas cuidem mais de si, que aproveitem mais o tempo para o lazer, para serem criativas. Não há necessidade de jornadas excessivas de trabalho.

Mas a utopia de De Masi se desvanece diante da distopia da obsessão contínua por inovação, que faz pessoas ultrapassarem suas jornadas diárias e passar finais de semana tentando entregar projetos o mais rápido possível. É uma era de ansiedade e desespero onde parece que tudo deve estar mudando o tempo todo e sempre tem de haver uma coisa nova a cada minuto. Isso faz com que releguemos o cuidado com o corpo e com a mente para segundo plano.

E isso abre caminhos para doenças, que irão tornar inúteis todo o esforço exagerado para entregar tantos resultados. Por fim, assim como qualquer químico sabe que Au é ouro e qualquer biólogo sabe que Felis Catus é o gato doméstico; qualquer pessoa deve saber que qualidade de vida é equilíbrio e a prática de atividades físicas propicia uma vida saudável. É preciso encontrar um caminho equilibrado fazendo as coisas necessárias, o que significa muitas vezes fazer menos, porque já estamos lidando com mais do que podemos.

———————————————- 

Crédito imagem: Internet

Ernesto Haberkorn: Em 2021 comemorou 78 anos de idade e pratica atividades físicas regularmente. Mais de 50 anos de experiência no mercado de tecnologia, é empresário, fundador SIGA, Co-fundador TOTVS, fundador do ERPFlex, Grupo NETAS, autor de 14 livros sobre Gestão Empresarial com ERP.